Releitura queer de Pinóquio chega ao Brasil na ficção científica ‘A vida entre marionetes’

Em “A vida entre marionetes” (In the Lives of Puppets), lançado no Brasil pela Editora Morro Branco, o escritor TJ Klune propõe uma reinterpretação queer do clássico Pinóquio, substituindo fábulas morais do século XIX por uma arquitetura narrativa ancorada em dilemas contemporâneos: inteligência artificial, livre-arbítrio, relações interespécies e a persistência das conexões humanas em um mundo governado por algoritmos.

A trama se desenvolve em uma floresta isolada, onde vive Victor Lawson, o último humano entre máquinas. Criado por Giovanni, um androide com passado ambíguo, Victor convive também com a enfermeira Ratched e o aspirador de pó Rambo — ambos robôs com personalidades marcadas por traços humanos, não pela programação, mas pela convivência. A aparente estabilidade do grupo se rompe quando Victor encontra Hap, um androide danificado que, ao recuperar sua memória, revela ter sido, junto de Giovanni, um caçador de humanos. A revelação não apenas reposiciona Giovanni no passado como ativa o interesse das autoridades robóticas, dando início à captura do criador e à jornada de resgate do filho.

Ultrapassando uma aventura em um cenário distópico, A vida entre marionetes desloca o eixo narrativo da obediência moral — central na obra de Collodi — para o questionamento ético. Se no original o desafio era tornar-se “um menino de verdade”, aqui o protagonista é um humano que, ironicamente, precisa provar sua humanidade em um mundo que a deslegitima. Como escreve Klune, “Esse homem era seu pai. Ele o criara. Esse homem que não era homem nenhum.”

A metáfora é precisa: a construção do vínculo não se dá pelo sangue, mas pela experiência compartilhada. E é justamente nessa fronteira entre o que é aprendido e o que é sentido que o autor tensiona os limites entre natureza e cultura, mecânica e emoção, programação e desejo.

O livro foi o vencedor da categoria Melhor Ficção Científica no Goodreads Choice Awards de 2023, e marca a quinta publicação do autor pela editora brasileira. Assim como em obras anteriores, Klune evita construções explicitamente panfletárias. Sua narrativa se organiza a partir de tensões afetivas vinculadas a experiências de pertencimento e suas contradições..

“A vida entre marionetes” não propõe uma utopia queer, tampouco uma alegoria futurista redentora. É, antes, uma exploração da vulnerabilidade de existir quando não se encaixa nas taxonomias vigentes — sejam elas biológicas, sociais ou digitais. Ao escolher robôs como substitutos das marionetes, Klune atualiza a alegoria do controle, deslocando o eixo do criador para a criatura, e problematizando o que significa ter agência em tempos de automação.

A edição chega ao Brasil em capa dura, com tradução de Rita Süssekind. Disponível por R$ 94,90, pode ser adquirida na Amazon e em livrarias parceiras.

Ficha técnica

Título: A vida entre marionetes
Autor: TJ Klune
Tradução: Rita Süssekind
Editora: Morro Branco (Grupo Editorial Alta Books)
ISBN: 978-65-6099-027-2
Páginas: 480
Preço: R$ 94,90
Disponibilidade: Amazon