Sem visão desde os dois anos de idade devido a um retinoblastoma bilateral, o jornalista Fernando Campos transformou suas experiências em força para inspirar e educar sobre questões de deficiência e LGBTQ+.
Conhecido por seu canal no Youtube intitulado “Na visão do cego”, Campos lançou, recentemente seu segundo livro, “O Tesouro das Diferenças”, voltado para o público infantil, e participou do documentário “TRANSO” (Globoplay), que explora a vida sexual de pessoas com deficiência.
“Perdi a visão muito cedo, por decorrência de um câncer na retina aos dois aninhos. Não tenho lembrança do período em que enxergava, é como se eu sempre tivesse sido cego. Isso colaborou para a aceitação da deficiência. Na adolescência, como todo adolescente, tentei me inserir nos padrões, mas logo percebi que a escolha de ser feliz ou não era minha. Sempre busquei caminhos alegres e olhei para a vida com positividade. A descoberta da minha orientação sexual veio na adolescência, quando percebi que me atraía mais por meninos. Foi um processo difícil, porque não somos criados para ser gays. A terapia foi fundamental para minha aceitação pessoal antes de buscar a aceitação da minha família”, conta Fernando Campos em entrevista exclusiva ao Gay Blog BR.
Sobre os maiores desafios que encontrou como uma pessoa com deficiência visual e homossexual, Campos assinala: “Os desafios são muitos para uma pessoa com deficiência visual e homossexual. A discriminação e o preconceito duplicam, pois pertencemos a dois grupos marginalizados. Já passei por situações difíceis, como pessoas que se aproximam por curiosidade ou que têm vergonha de estar em público comigo. Para lidar com isso, me fortaleci e entendi que o problema não está em mim, mas na falta de condições e acessibilidade. A acessibilidade é um direito, não um favor. Em situações de paquera, por exemplo, aprendi a usar a ajuda de amigos para driblar o capacitismo e encontrei formas de me divertir e fazer novas conexões.”
“As estratégias para driblar o preconceito, os estereótipos e as discriminações foram, sobretudo, me fortalecer. Dói e doeu muitas vezes que eu entendi que alguma coisa não foi para frente porque a pessoa não queria se envolver com a pessoa com deficiência. Me culpei algumas vezes. Mas acho que o caminho realmente foi me fortalecer, entender que o problema não estava em mim. Sou uma pessoa completamente capaz. Se alguma coisa, por algum motivo, eu não consigo realizar, não é porque eu não posso. É porque não me dão as condições mínimas. Acessibilidade não é um favor, acessibilidade é meu direito. Então acho que foi principalmente me fortalecer. E aí tinha umas estratégias do jogo da paquera. Quando estava na balada, por exemplo, e as pessoas chegavam para falar comigo na noite, elas normalmente se dirigiam à minha amiga: ‘Eu posso falar com ele?’ Que já é uma situação capacitista, por que não vêm direto a mim? Na verdade, eu terminava gostando porque minha amiga conseguia fazer um filtro: ‘Amigo, esse é bonitinho, esse não é tanto.’ E a gente tinha os métodos. Ela apertava meu braço de um jeito se ela achasse bonito, ela apertava de outro se não fosse tanto. E ainda assim dependia muito de mim. Se eu quisesse conversar, eu ia conversar. E aí, dependendo disso, se fluísse, podia acontecer de eu engatar ali a ficada com aquele cara ou não. E nos aplicativos de paquera, eu contava com a ajuda das amigas também para dar os likes, os dislikes, e a gente ia encontrando esses caminhos”, completa Fernando.
Sobre as políticas públicas que acredita serem essenciais para melhorar a vida das pessoas com deficiência e LGBTQ+ no Brasil, Fernando pondera: “Existem várias políticas públicas essenciais, primordiais para o combate da discriminação, do preconceito, da desinformação e que também acolham e respaldem essas demandas desse grupo. Eu acho que, sobretudo, educação inclusiva, que exalte a diversidade, a inclusão, a riqueza que as diferenças trazem, que exaltem o respeito. Campanhas midiáticas de combate à violência e que promovam a conscientização e atendimento psicossocial que aborde as demandas desses grupos, dessa interseccionalidade. Basicamente isso.”
Acerca do documentário que participa, “TRANSO”, disponível no Globoplay, Campos ressalta: “O documentário é um grito de liberdade. Eu sempre gosto de defini-lo assim porque as pessoas tendem a colocar o PCD num altar de santinho, de super-herói, e é como se a sexualidade dele não existisse ou muitas vezes é colocada num local de nojo. E ‘TRANSO’ traz de uma forma muito bonita, muito poética essa abordagem dessa temática, que é uma temática dolorosa, porque é uma jornada solitária. Mas, ao mesmo tempo, o documentário traz uma poesia e muitas vezes até de uma forma engraçada e muito colorida. Acho que a mídia ainda está muito carente. Eu sempre digo: nós estamos avançando e estamos num local que nunca estivemos antes, mas ainda tem muito a se caminhar. A internet horizontalizou e oportunizou, deu voz a muita gente. Mas ainda precisamos de muito mais. Precisamos de mais representatividade, precisamos de mais voz, precisamos ocupar mais espaços. Precisamos de apresentadores de TV com deficiência, de atores com deficiência, de protagonistas de novela com deficiência, mas que não abordem só a realidade da deficiência, mas sim uma vivência, porque a deficiência é só mais uma característica que nós temos. Acho que estamos caminhando para um lugar interessante, se avaliarmos historicamente. Estamos evoluindo cada vez mais, mas o caminho ainda é longo pela frente”.
Inspiração para Escrever
Em abril, Fernando Campos lançou “O Tesouro das Diferenças”, livro infantil onde pequenos heróis exploram novas habilidades e formam laços de amizade que transcendem qualquer limitação. Ao ser perguntado sobre as inspirações que o motivaram a obra, o jornalista explana: “Primeiramente, o que me inspirou foi o meu sobrinho. Eu comecei a criar historinhas para ele com personagens PCDs justamente com o intuito de trazer para ele essa ideia de que ser diferente é normal, é bonito, é saudável. O tio dele é cego e ele precisa entender, precisa compreender que está tudo bem, que essa é só mais uma característica de uma pessoa. E quando eu me dei conta, já tinha quatro contos criados que eu contava para ele. Quando eu ia dormir, a gente deitava na rede e eu ia contar as historinhas para ele. Quando vi, já tinha uns quatro contos criados e pensei: ‘Isso dá um livro.’ E aí a gente foi e eu coloquei no computador. Encontrei uma editora fantástica, que é a Editora Letramento, que abraçou o projeto. O ilustrador Alexandre Tso somou de uma forma excelente nesse projeto que é meu e dele. E Ivete veio coroar por meio de um prefácio que toda vez que eu leio, me emociono.”
Junte-se à nossa comunidade
Mais de 20 milhões de homens gays e bissexuais no mundo inteiro usam o aplicativo SCRUFF para fazer amizades e marcar encontros. Saiba quais são melhores festas, festivais, eventos e paradas LGBTQIA+ na aba “Explorar” do app. Seja um embaixador do SCRUFF Venture e ajude com dicas os visitantes da sua cidade. E sim, desfrute de mais de 30 recursos extras com o SCRUFF Pro. Faça download gratuito do SCRUFF aqui.