Dr. Dyemison Pinheiro destaca prevenção combinada no combate ao HIV e ISTs no Brasil

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Em entrevista exclusiva para o podcast do Gay Blog BR, o Dr. Dyemison Pinheiro, infectologista que atua na linha de frente do combate ao HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), compartilhou suas experiências e reflexões. Pinheiro, que trabalha em São Paulo, destacou a importância da prevenção combinada para reduzir novos casos de HIV, especialmente entre populações vulneráveis, como jovens, pessoas negras e pessoas trans.

Dr. Dyemison Pinheiro - Divulgação
Dr. Dyemison Pinheiro – Divulgação

Durante a conversa, conduzida pelo gestor cultural Maurício Kino, Pinheiro explicou que a epidemia de HIV no Brasil é complexa e diversa, com as infecções concentradas principalmente entre gays, homens que fazem sexo com homens e pessoas trans femininas. Ele enfatizou a necessidade de acesso fácil e acolhimento nos serviços de saúde, algo que, segundo ele, funciona bem em São Paulo, mas enfrenta grandes desafios em outras regiões do país.

Entre as estratégias preventivas, Pinheiro destacou o uso combinado de preservativos, a profilaxia pós-exposição (PEP) e a profilaxia pré-exposição (PrEP), que pode ser usada tanto de forma diária quanto sob demanda. Ele também mencionou a terapia antirretroviral (TARV) para pessoas vivendo com HIV, que as torna indetectáveis e, portanto, intransmissíveis.

Pinheiro também comentou sobre a PrEP1519, um projeto inovador que oferece PrEP oral e injetável para adolescentes. A iniciativa, que já levou o Ministério da Saúde a incorporar a PrEP oral para jovens a partir de 15 anos, agora está testando a eficácia da PrEP injetável para o mesmo público. “Oferecer tecnologias preventivas para essa população é essencial para a gente barrar esse número de novos casos“, destacou.

– BKDR –

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Sobre seu trabalho na região da Cracolândia, em São Paulo, Pinheiro enfatizou a importância de profissionais da saúde com uma visão ampliada para atender pessoas em situações de vulnerabilidade extrema. “É um trabalho que é complexo e muitas vezes eu me sinto enxugando gelo“, afirmou.

Ouça na íntegra:

Confira trechos da entrevista:

Na sua opinião, qual seria o nosso cenário atual do vírus HIV e das outras infecções sexualmente transmissíveis dentro da comunidade LGBTQIA+?

  • Falar dos cenários possíveis e existentes no Brasil, realmente, é uma tarefa difícil, porque vivemos em um país muito complexo e diverso. A epidemia de HIV, de uma forma geral no mundo, é diversa. Se olharmos, por exemplo, os países do continente africano, encontraremos muito mais mulheres cis e homens cis infectados pelo HIV do que outras populações. Quando voltamos nosso olhar para a América Latina, como um todo, a epidemia de HIV na região é mais concentrada em algumas populações que chamamos de chave. Seriam populações de gays e outros homens que fazem sexo com homens, e pessoas trans e travestis. A epidemia está concentrada nessas populações. Sabemos [isso] por quais motivos: por dificuldade de acesso, por déficit de informação e muitas vezes por terem barreiras dentro dos próprios serviços de saúde para darem seguimento ao seu acompanhamento, ou seja, mesmo o acolhimento nessas unidades, na vez que vai fazer uma testagem ou fazer alguma avaliação. Costumo brincar que, aqui em São Paulo, a gente vive uma realidade muito diferente do resto do Brasil. São Paulo, especificamente a capital, tem um programa de AIDS muito bem estruturado. Nós temos acesso fácil, diferente de outras regiões. Temos o próprio segmento de pessoas vivendo com HIV muito bem estabelecido, onde você realiza o diagnóstico e no mesmo dia começa o seu tratamento, o que é já indicado pela literatura mundial há vários anos. Mas, infelizmente, em outras cidades, às vezes menores, em outros estados que têm menos capital, essa realidade não acontece. Mas, se olharmos para os dados, veremos que, atualmente, as pessoas que mais se infectam pelo HIV são jovens, sobretudo pessoas pretas e pessoas trans. A questão das pessoas trans, principalmente trans femininas, porque ainda conseguimos fazer uma avaliação desse grupo. As trans masculinidades, muitas vezes, ainda são mais deixadas de lado do que as trans feminilidades. Mas se olharmos para os dados como um todo, veremos que essa população [trans feminina] é aquela que continua se infectando mais. Então, nós precisamos aumentar nossos esforços para que essa população seja mais priorizada nos nossos atendimentos, nas nossas avaliações e nos nossos planejamentos enquanto Secretaria de Saúde, enquanto gestão como um todo.

Com relação ao HIV, existem diversas estratégias de prevenção, como o uso do preservativo, cuidados ‘mãe-recém nascidos’, as profilaxias de pós e pré-exposição. Você poderia falar um pouco sobre a importância da prevenção?

  • Eu adoro falar sobre prevenção, não somente porque trabalho com isso, mas porque eu acho que é o nó que a gente precisa resolver ou melhorar para que a gente pare de ter novos casos de HIV e AIDS no mundo, que é a nossa grande intenção, nosso grande sonho. Falar de prevenção, atualmente, é falar de prevenção combinada. E o que seria a prevenção combinada quando a gente fala de HIV e ISTs? Seria a combinação de mais de uma estratégia, de mais de uma tecnologia preventiva, na tentativa de alcançar o máximo possível dali de uma proximidade com 100% de proteção. Nenhuma tecnologia preventiva, forma de prevenção ou método de prevenção isoladamente é 100%. Nenhum. Nem se você, caro ouvinte, que usa camisinha, preservativo em todas as relações, também não é 100%, porque imprevistos acontecem. Ela rompe ou se perde dentro da pessoa, [por exemplo]. Enfim, várias histórias [que] a gente ouve aos montes. Então, nenhuma tecnologia preventiva é 100%. Na tentativa de se aproximar desses 100%, surgiu a prevenção combinada, que é a combinação de mais de uma estratégia. Então, por exemplo, a gente tem o preservativo interno e externo como formas de prevenção, isso muito bem estabelecido já há bastante tempo. Nas últimas décadas, o que tem surgido de novo em relação a essa mandala da prevenção, que a gente chama de mandala porque a forma gráfica de visualizar é uma grande mandala dividida, com várias formas de prevenção para você escolher o que se encaixa melhor no seu dia a dia. Recentemente, outras tecnologias foram sendo incorporadas. Por exemplo, a profilaxia pós-exposição ao HIV, que a gente chama de PEP. Eu costumo brincar que ela é como se fosse a pílula do dia seguinte, mas a pílula dos 28 dias seguintes, porque é o tempo que dura essa profilaxia. Ela é indicada para se você transou sem preservativo ou, se por acaso, o preservativo rompeu durante uma relação; você precisa iniciar essa medicação em até 72 horas da sua exposição para que ela seja eficaz. Fez uso por 28 dias, preveniu-se do HIV naquela exposição que você teve. Pensando em uma tecnologia, em uma forma de prevenção que se antecipe à exposição, que apareça antes que surja, veio a PrEP, que é a profilaxia pré-exposição ao HIV. Atualmente no Brasil, essa prep oral em comprimidos, pode ser utilizada de duas formas. Da forma diária, que você toma um comprimido por dia para se prevenir do HIV, como se fosse um anticoncepcional; e da forma sob demanda, que você direciona o uso para sua exposição sexual. A gente ainda não tem disponível no SUS as PrEPs injetáveis, que são as de longa duração, elas estão somente em estudos clínicos disponíveis e depois a gente vai conversar um pouquinho sobre isso também. Mas, para além dessas formas de prevenção, outros métodos preventivos que entram nessa prevenção combinada são, por exemplo, o uso da terapia antirretroviral (TARV) por pessoas vivendo com HIV, que as torna indetectáveis. Isso significa que, após um período de tratamento, essas pessoas não têm mais o vírus detectável em sua corrente sanguínea. Se a pessoa permanece um período de seis meses ou mais sem o vírus detectável, considera-se que ela é indetectável e intransmissível, ou seja, não transmite o HIV em relações sexuais, mesmo sem preservativo. Além do tratamento como prevenção, a gente tem também a testagem regular de HIV e STS, que é super importante você se testar. Muitas pessoas não se veem sob risco, então nem se testam. Muitas vezes, quando vão testar, já estão na fase mais de AIDS – pois HIV e AIDS são diferentes. HIV é a infecção pelo HIV, é você ter o vírus em seu corpo que não está causando repercussões. Já a AIDS acontece quando o HIV no organismo da pessoa já ficou ali por um longo tempo e gerou uma depleção do sistema imune, que está enfraquecido, e [a pessoa] começa a adoecer por diversos agentes infecciosos – esse é o momento da AIDS. Muitas pessoas são diagnosticadas com HIV já em fase de AIDS, por nunca se perceberem sob risco. Não é incomum eu receber mulheres cis heterossexuais, em casamentos monogâmicos, que descobrem o HIV em uma fase de AIDS, porque nunca se viram sob risco por estarem em um relacionamento fechado, [conforme o ensino tradicional] de “homem e mulher como Deus ensinou”. Essas pessoas, muitas vezes, estão mais expostas a quadros avassaladores e críticos da doença. Além disso, prevenimos a transmissão de HIV de gestantes para o feto através de profilaxias específicas. Um pré-natal de qualidade é essencial para evitar novos casos de transmissão vertical, isto é, da pessoa gestante infectada para o feto. É importante dizer que hoje em dia é possível ter partos naturais, em pessoas que gestam e vivem com o HIV, sem transmitir para o feto, justamente pelo avanço da tecnologia e pelas medicações modernas. E a vacinação. É importante lembrar também que a vacinação para HPV e hepatites virais [são] formas de prevenção.

Especificamente, agora, sobre a PrEP1519, que é um projeto pioneiro, importante e muito inovador que você participa ativamente. Gostaria que você comentasse sobre esse trabalho e o que é a personagem Amanda Selfie.

  • Antes de falar especificamente do PrEP1519, da Amanda Selfie, eu vou falar um pouco sobre a PrEP injetável, porque eu acho que é falar sobre esse avanço tecnológico que temos alcançado é falar também sobre o quanto a gente avançou na questão do controle do HIV, o quanto a ciência avançou no que se refere a tratamento e prevenção. Quando a PrEP oral foi lançada, as pessoas pensavam assim: “Não vamos mais ter novos casos de HIV, porque agora a gente tem uma medicação que previne o HIV. Arrasamos. Resolvemos um problema secular”. Isso aconteceu? Não. As pessoas continuaram se infectando e, quando foram olhar os dados, viram que muitas das pessoas, mesmo sabendo e conhecendo a PrEP, infectaram-se justamente por não fazer o uso adequado da PrEP, por não tomar da forma como deveria ser tomado. Pensando nisso, os cientistas falaram: “A gente precisa de uma medicação de longa duração, que a pessoa não precise tomar todos os dias”. Foi aí que surgiram os antirretrovirais de longa duração, que são as medicações que têm efeito contra o vírus HIV. Uma das primeiras medicações que surgiram nesse sentido foi o cabotegravir, que é uma medicação injetável que, se aplicada a cada dois meses, vai te proteger contra o HIV. Você não precisa tomar comprimidos diariamente, mas ela vai estar te protegendo do HIV. E os estudos já mostraram que ela é até superior à PrEP oral diária, justamente pelo fato de não precisar lembrar de tomar todos os dias. Essa medicação com cabotegravir já foi aprovada pela Anvisa e o projeto PrEP1519 trouxe essa opção de prevenção com essa medicação para adolescentes que vão de 15 a 19 anos. Numa fase anterior, esse projeto foi responsável pelo Ministério da Saúde incorporar a PrEP oral diária para pessoas a partir de 15 anos no SUS. Então, foi através do nosso trabalho, de todas as pessoas que trabalharam juntas nesse projeto, que se encontrou dados mostrando que, para essa população, oferecer PrEP oral diária é importante e vai sim reduzir as infecções pelo HIV, afinal, a gente sabe que entre 15 e 29 anos a gente tem um crescimento importante dos novos casos de HIV. Oferecer tecnologias preventivas para essa população é essencial para a gente barrar esse número de novos casos. Falando agora do PrEP1519, a gente está recrutando pessoas dessas idades, pessoas trans femininas entre 15 e 19 anos e homens que fazem sexo com homens e gays de 15 a 17 anos nesse momento. Se você tem interesse, tem essa idade ou conhece alguém que tem essa idade, que esteja em São Paulo, Belo Horizonte ou Salvador – que são as três cidades onde a gente tem esse estudo – podem procurar a página @vcprepsp, que é o Instagram do nosso projeto. É através dele que a gente faz comunicações. Se você tem dúvidas, pode mandar lá também que a gente vai responder, vai te orientar, entender se você cumpre os critérios necessários para entrar nesse estudo e avaliar se, assim como a PrEP Oral, a PrEP injetável também é interessante para esse público a partir de 15 anos. Falando da Amanda Selfie, eu brinco que a Amanda é uma confirmação de como a tecnologia pode nos ajudar. Amanda é um chatbot, não existe exatamente. É uma coisa criada pela tecnologia, mas que responde às pessoas e que as ajuda em momentos de dificuldade, sob orientação de precisar fazer PEP, não precisa fazer PEP, tenho que agendar minha consulta de PrEP. Tenho que agendar meu retorno, como eu faço? Ela é utilizada somente no projeto atualmente, mas a ideia é de que se realmente se mostrar interessante, que isso possa se expandir também. Afinal, usar a tecnologia a nosso favor é super importante.

O biomédico Dr. Vitor Mello, que foi entrevistado recentemente no podcast do Gay Blog BR, deixou uma pergunta para você. “É uma pergunta que eu fiz lá em 2007 para minha professora de imunologia na faculdade. Hoje tem surgido a PrEP com maior durabilidade, uma aplicação a cada três meses. Eu sei que também, no Reino Unido, existe um tratamento para HIV de uma injeção que se toma a cada três meses. Gostaria de saber do doutor se ele acredita que, com esses medicamentos, talvez nós estejamos mais próximos de uma cura para o HIV?”

  • Eu acredito sim que estamos cada vez mais próximos de uma cura. Já temos alguns casos de protocolos feitos que mostram uma remissão viral, que indicam que não há nova replicação viral. Isso ainda não foi possível de ser feito de forma sustentada em todas as pessoas, porque não se sabe exatamente o que aconteceu de diferente nessa pessoa específica [em relação] às outras. Enfim, os cientistas estão com um grande trabalho. Não sou eu quem está pesquisando isso, ainda bem; até gostaria de estar, mas não estou. Mas acredito que estamos mais próximos da cura sim. Essas formas de medicações cada vez mais duradouras, cada vez mais longas, [são] evidências de que a tecnologia vem se esmerando e especializando-se cada vez mais. É importante falar que essas medicações de longa duração, sejam injetáveis ou orais, facilitam a adesão também, o que é uma grande questão [em termos] de novos diagnósticos. Eu brinco com meus pacientes que minha parte é a mais fácil, pois faço a receita, prescrevo a medicação e entrego para eles: “Toma, está aqui. Medicação para seis meses. Vai lá na farmácia, pega e toma”. Mas o papel deles, que é tomar a medicação todos os dias, é o papel de peso, ele quem é o responsável por isso. Então, são diversos fatores que atravessam essas pessoas diariamente, que impedem elas de fazer o uso adequado da medicação. Eu tenho pacientes que eu acompanho no SAE, que fica na região da Cracolândia, que não têm água para tomar seus comprimidos. A gente consegue imaginar isso, dentro das nossas rotinas? Com certeza não. Eu tenho diversos pacientes que precisam esconder suas medicações das suas parcerias sexuais, dentro de casa, para que elas não descubram que essas pessoas vivem com HIV. Olha que coisa triste, né? Eu acho triste porque você precisa esconder uma condição sua, um adoecimento seu, enfim, por conta do estigma, por conta do medo. E isso impossibilita, muitas vezes, as pessoas de tomarem a medicação todos os dias, que às vezes ela não encontrou um tempo livre, distante do seu parceiro, da sua parceria como um todo, para tomar essa medicação. Eu já tive paciente que foi pressionada pelo seu namorado, que teve que ir lá na Sé pedir para fazer um teste rápido, um laudo de teste falso dizendo que ela não tinha HIV, um laudo de teste negativo para que ela apresentasse para o namorado, para que ele parasse de perturbar ela pois ele achava que ela tinha HIV. Queria que ela fizesse um teste e, se ela mostrasse um teste real, ia ser positivo. Muitas vezes as pessoas são pessoas trans, vulnerabilizadas, que já sofrem diversas questões sociais como um todo e, dentro da própria casa, também sofrem esse tipo de assédio, esse tipo de questionamento. Eu acho que essas medicações de longo prazo ajudam nisso também. E a perspectiva das novas formas de tratamento é cada vez melhor. A gente tem hoje a imunoterapia, anticorpos, medicações de longa duração oral injetável, que estão cada vez entrando mais como possibilidades. E o mais interessante, ainda, do que pensar que é cômodo fazer uso dessas medicações, é pensar que elas estão surgindo como opções para aquelas pessoas que já usaram todas as medicações e têm o vírus resistente, porque isso também pode acontecer quando se tem uso irregular de medicação, por exemplo. O vírus adquire mutações, ele fica mais forte, digamos assim. É isso impossibilita a gente usar medicações comuns para tratar o HIV dessa pessoa. Essas novas medicações surgem também para essas pessoas. Para pessoas que já são multiexperimentadas, que são multifalhadas, enfim, as perspectivas são, ao meu ver, cada vez melhores em relação ao tratamento antirretroviral para essas pessoas.

Do seu ponto de vista, qual é a importância da presença de profissionais como você em contextos tão degradados como essa da região central da cidade?

  • É complexa a realidade de responder essa pergunta, porque eu acho que a gente precisaria não só de médicos infectologistas com um olhar voltado para essa população, mas de profissionais da saúde como um todo. Seja da área de serviço social, seja da área da psicologia, seja da área da empregabilidade, seja da área da redução de danos para uso de substâncias. É um trabalho que é complexo e muitas vezes eu me sinto enxugando gelo, vou falar a verdade para você. Eu sinto que é como se eu estivesse ali, numa estratégia de redução de danos para oferecer para aquela pessoa o possível, mas que ela englobe na sua rotina e que ela consiga fazer o mínimo mesmo. No começo, isso me deixava um pouco triste, sabe? De falar: “Nossa, eu estou aqui só na sensação de enxugando gelo”. Especificamente nesse local, eu trabalho só com pessoas [com] diagnóstico recente de HIV e abandono de tratamento. As pessoas em abandono de tratamento são inúmeras e sempre são mais ou menos as mesmas que entram, começam a acompanhar um tempo, abandonam de novo, [e assim sucessivamente]. Isso acontece por questões múltiplas: por uso de substâncias, porque a pessoa foi expulsa de casa e está na rua… E não só pessoas trans. Pessoas cis também são acometidas por esse tipo de problemática. Mas às vezes eu penso: “Bem, talvez se tivesse um outro profissional que não fosse tão afeito a essas questões, que não tivesse um olhar um pouco mais ampliado, a situação dessas pessoas seria um pouco pior, né?” Então eu penso que estar ali não seja por acaso. Eu escolhi trabalhar lá. Eu queria trabalhar nesse site porque queria ter um pouco dessa realidade. O SAE é um serviço de atenção especializada que é o local onde a gente acompanha doenças infecciosas em geral, faz prevenção, faz PrEP, faz PEP, testagem. Eu acho que é importante a gente ter médicos infectologistas nesses locais com uma visão mais ampliada. Infelizmente, eu tenho colegas que, se a consulta está agendada para às 03h, e o paciente chega às 03h10, eles não atendem. Como é que você quer exigir um comportamento quase militar, de uma pessoa que, sei lá, está em situação de rua, não comeu hoje, teve todos os bens roubados, não sabe onde vai dormir, tem uma consulta às três, lembrou só um pouquinho depois, chegou dez minutos atrasado. Você vai penalizar essa pessoa? Eu acho difícil fazer isso.

Qual o maior desafio de ser um médico infectologista negro no Brasil hoje?

  • Essa pergunta também é complexa porque é algo que eu carrego todos os dias. É impossível esconder a minha negritude, e nem quero e nem gostaria. Isso, infelizmente, gera reações nas pessoas, porque elas não esperam que corpos como o meu ocupem alguns lugares, inclusive esse lugar da medicina, uma profissão sempre muito branca, muito de classe média, muito masculinizada, muito “heterocentrada”. E até hoje é. Mas graças a alguns rumos do nosso país, isso vem mudando. Essa visão, esse imaginário vem mudando. Eu acredito que estar onde estou, como estou atendendo a população que atendo, é importante porque toda semana, pelo menos, eu ouço alguém falar: “Ai, que bom, nunca fui atendido por um médico negro. É bom ver pessoas que se assemelham a mim e é legal que isso aconteça”. Essa semana veio um menino que estava com uma questão de micose pós praia e aí eu fui brincar, falando que ele não podia usar aquela sunguinha pequena que nem a gente gosta de usar, tinha que ser uma sunga um pouco mais folgada. Ele falou: “Nossa, que bom poder falar assim com essas coisas com você, porque eu só usava esse tipo de sunga”. Sabe, uma questão simples, mas que para ele ali já fez total diferença. O desafio é [esse] que eu vivo na vida como um todo. De, muitas vezes, acharem que eu não tenho capacidade suficiente por conta disso e colocar meu profissionalismo em xeque por conta de alguma característica pessoal. Então isso acaba acontecendo, mas depois que as pessoas conhecem e sabem do profissional que sou, espero que esse preconceito delas fique bem longe.

Para finalizar, te pediria que nos contasse como as pessoas podem te encontrar e saber mais sobre os teus projetos.

  • O meu Instagram é @dyemisonp e o Instagram do projeto que eu trabalho, que oferece PrEP em adolescentes e onde você pode também tirar algumas dúvidas, até mesmo se inscrever para o nosso projeto é o @vcprepsp. Obrigado!

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